Abril 29, 2024

Agricultura Internacional

Imprensa especializada do Setor Agrário

Amor de Hortelão: De infestante a planta medicinal

Figura 1. O Gallium aparine / Figura 2. Gallium aparine L.: folhas

O amor de hortelão é uma espécie espontânea que encontramos em todo o território nacional.

No Alto Alentejo (região onde centramos o nosso estudo), nas caminhadas pelo campo facilmente deparamo-nos com esta planta com propriedades colantes, revestida por pelos gancheados e de sensação tátil áspera, que se faz notar, mesmo que passe despercebida, quando se pega a nós. Esta capacidade de ‘agarrar-se’ é afirmada na designação em latim para a identificação taxonómica da sua espécie, ‘aparine’.

Na sua existência podemos encará-la dentro de um paradoxo, motivado pela perspetiva, se enquadrada nos objetivos do observador, e posição do mesmo na linha dual entre os extremos, onde o contexto determinará a sua afinidade, entre a riqueza natural autêntica e o lado mais obscuro. A localização do amor de hortelão assinala a qualidade dos níveis de fosfato e azoto, necessários em solos com boa capacidade de cultivo. Todavia, é uma espécie invasora que concorre pelo hidrogénio, prejudicando algumas culturas, nomeadamente cereais, colza e beterraba. Na viajem pelos desígnios desta herbácea optamos por concentrar a nossa atenção sobre o seu potencial fitofarmacêutico, numa extensão expressa na cadeia nutricional e terapêutica, na ampla gama de utilizações, com destaque na culinária, cosmética e principalmente no uso medicinal, na profilaxia e atuação primária de simples sinais e sintomas a patologias graves.

Na nomenclatura científica é identificada pelo binário Galium aparine L. (figura 1) e comumente por amor de hortelão, erva-peganhosa, pegamaço, pegamassa, rapa-saias, raspa-língua, agarra-saias. Pertence à família botânica das Rubiáceas.

É uma planta silvestre anual, trepadora, com caules flexíveis, robustos, quadrangulares, descorçoados, ramificados desde a base, pilosos nos nós túmidos, podendo atingir os 80 a 180 centímetros de comprimento.

Figura 1. O Gallium aparine L.

As folhas (figura 2) são uninervadas, cuspidadas, com morfologia oblongo-lanceoladas, finalizadas por uma extremidade curta e rígida. Na face superior apresentam pelos em forma de pequenos espinhos, dispostos ascendentemente nas margens e por baixo da nervura central. Medem cerca de 12 a 60 milímetros de comprimento e 3 a 8 milímetros de largura. Formam agrupamentos em espirais com seis a nove folhas por verticilo, com inflorescências até 90 cm. Nas axilas foliares desenvolvem-se pequenas flores hermafroditas, normalmente tetrâmeras, com pedicelos de 0,1 a 4,5 milímetros; corola branca ou verde clara com cerca de 1,5 a 3 milímetros de diâmetro, de constituição anatómica rotácea, glabra e com quatro lóbulos eretos; quatro estames e dois carpelos. O fruto é esquizocarpo, tuberoso, pequeno, esférico, com acúleos recurvados, de cor verde-escura ou arroxeada. Mede cerca de 4 mm, com peso entre 7 a 9 miligramas e semente com um peso de cerca de 3,7 miligramas. A raiz é delgada, pouco desenvolvida, podendo chegar até cerca de 35 centímetros de profundidade.

Figura 2. Gallium aparine L.: folhas

Esta espécie é originária da Europa e do Médio Oriente. Distribui-se em Portugal, de norte a sul. É uma planta silvestre com uma excelente capacidade de adaptação, surge espontaneamente, essencialmente em locais onde o solo é húmido, com boa qualidade de nitrogénio e fosfatos, pH entre os 5,5 e os 8 e com níveis de insolação entre o 4 e os 100%. Propaga-se melhor na orla de vegetação ripícola, mas apresenta igualmente bom desenvolvimento em campos de cultivo e incultos, entre sebes, ermos, baldios, entulhos, muros velhos, valados, bermas de caminhos, entre uma variedade alargada de locais.

A planta inteira é utilizada para fins medicinais, pelo que a colheita pode decorrer entre os meses de março e setembro. A época da floração acontece entre março e junho.

A propagação é espontânea, por semente. Tem um crescimento vegetativo e produção de semente rápidos, sendo grandemente prolífica, com uma constituição morfológica facilitadora de propagação, principalmente os frutos, esféricos e revestidos de sedas gancheadas que se agarram a tudo, incluindo animais.

No que concerne às possibilidades de estar inserida dentro de um sistema de economia circular, devemos vê-la no contexto de invasora e inibidora, demonstrando uma ação competitiva com algumas cultivares, visto que normalmente em Portugal não é considera pelo valor comercial. Tem interesse doméstico, no domínio nutricional, medicinal e cosmético, onde toda a planta pode ser considerada como subproduto. Por ser comestível, os caules e as folhas podem ser usados na culinária, na confeção de saladas, sopas, sumos, infusões; as sementes ligeiramente tostadas podem servir como um bom substituto do café (baixo teor em cafeína); e em outras formas, tanto em uso interno, como externo, com intenções terapêuticas. Com a raiz pode-se realizar um corante vermelho, para efeitos de tinturaria.

Quando analisada, através dos seus constituintes fitoterápicos, são detetados os seguintes princípios ativos: alcaloides, saponinas, iridóides (incluindo asperulósido), ácidos polifenólicos, antraquinonas (apenas na raiz), flavonoides, taninos, óleos essenciais, enzimas e vitamina C. É destes que derivam as respetivas propriedades terapêuticas, presentes em toda a planta: antisséptica, diurética, estimulante, expetorante, hemostática, hipotensora, tónica do sistema linfático, sudorífica, antidiarreica, anti-inflamatória e antipirética. Propriedades que fazem dela uma boa opção para diversas perturbações e patologias, sobretudo relacionadas com o sistema linfático. Promove o aumento do fluxo de linfa, purificando o sangue e desintoxicando o organismo, através das vias urinárias. Atua na hipertrofia e inflamação ganglionares, adenoidite, amigdalite, otite; perturbações urinárias, litíases renais, cistite, infeções urinárias, inflamação da bexiga; prisão de ventre, inflamação da vesicula biliar, hepatite, iterícia, debilidade circulatória, escorbuto, aumento de temperatura; perturbações de pele, seborreia, caspa, manchas, eczema, psoríase, feridas em qualquer parte do corpo, incluindo mucosas, irritações cutâneas, queimaduras ligeiras, ação desodorizante; encefalomielite, doenças metabólicas como as neoplasias, por constituir um bom agente desintoxicante.

Do contato cutâneo com esta variedade, pode gerar uma reação alérgica epidérmica tópica ou dermatite de contato.

Quando administrada, interna e externamente, tanto na profilaxia, como na manifestação direta de sinais e sintomas devemos considerar as formas galénicas e respetiva posologia mais adequadas. Para uso interno, em situações de escorbuto, icterícia, ação tónica e como depurativo: rácio de 30 g planta (caule e folhas) / 1 l de água, em infusão durante 15-20 minutos, 3 chávenas por dia. Obstipação: rácio de 35 g planta (caule e folhas) / 1 l água, em infusão durante 15-20 minutos, 3 chávenas por dia. Estimulante: frutos tostados e moídos; folhas e frutos em infusões (30 g/ 1 l, 15-20 minutos), ingeridas quentes ou frias (repouso durante 24 horas). Neoplasias e febre: idealmente em sumo, podendo adicionar outras plantas e frutos (ex.: maçã, aipo, limão). No uso externo, nos casos de feridas, pele irritada, eczema, psoríase, queimaduras ligeiras: caules e folhas frescas esmagados, aplicação em forma de cataplasma; tintura mãe (1:1), macerado durante 6 a 7 dias; infusões ou sumo para bochechos. Aclarar a pele, lavar o rosto, icterícia, caspa (enxaguar o cabelo), desodorizante: rácio de 60 g planta (caule e folhas) / 500 ml de água, em decocção durante 15 minutos.


AUTORIA:

Lorena, A. 1 & Cordeiro, A.I.2

1 Naturopata. Direção Clínica Espaço ANEROL.

2 Departamento de Ciências Agrárias e Veterinárias. Instituto Politécnico de Portalegre.

ana_cordeiro@ipportalegre.pt

BIBLIOGRAFIA

  • Boieiro, M., As Plantas, Nossas Irmãs, Ed. Rotas da Paz, pág. 34-35, 2010
  • Chevallier, A., Enciclopédia de Plantas Medicinais, Ed. Dorling Kindersley, pág. 212, 1996
  • Font Quer, P., Plantas Medicinales, 4ª edição, Ed. Península, pág. 748, 2002
  • Press, J. R., Short, M. J., Flora of Madeira, The Natural History Museum, London:HMSO, 1994
  • Ribeiro Nunes, J., Medicina Popular – Tratamento pelas Plantas Medicinais, 1ª edição, Ed. Litexa, pág. 69-70, 1999
  • Salgueiro, J., Ervas, Usos e Sabores, Plantas Medicinais no Alentejo e Outros Produtos Naturais, 3ª edição, Ed. Colibr . Marca – ADL, pág. 54-55, 2005
  • Sequeira, M., Espírito-Santo, D., Aguiar, C., Capelo, J. & Honrado, J. (Coord.), Checklist da Flora de Portugal (Continental, Açores e Madeira), Associação Lusitana de Fitossociologia (ALFA), 2010.

Mais artigos

Translate »